9

No dia seguinte continuava na cama, sem me deixarem levantar sozinha para nada. Trataram-me como se fosse uma inválida...
É claro que me levantei na mesma! Às vezes, durante a noite, ia à casa de banho num só pé, mesmo que não fosse lá fazer nada.
Mas, infelizmente, nada mais do que isso.
Mas nesse dia parecia mais aborrecida do que nunca. Parecia que à medida que se aproximava o último dia de repouso total, mais o tempo demorava a passar. O Sol parecia não sair do mesmo sítio na janela.
Bateram à porta.
- Entre - respondi numa voz entediada e sem qualquer emoção.
Nia espreitou.
- Posso?
- Entra.
- De certeza que não me vais atirar nenhuma jarra à cabeça?
- Está descansada, já acabaram.
- Bem, então fico contente que não tivéssemos deixado aqui nenhuma. Pelo menos... Até agora - e entrou com uma jarra com água e um ramo de flores silvestres na outra mão.
Os meus olhos pareciam querer saltar até elas, inquietos por se aproximarem tão devagar.
Eram-lhes familiares. Pareciam do bosque onde costumo passear. E cheiravam como elas.
- Uau! São para mim?
- Não. São para o cão. Claro que são para ti, tontinha. Ah! E vêm com uma carta.
Entregou-mas, juntamente com a carta, e pousou a jarra na mesinha de cabeceira.
- Agora vou deixar-te a sós e à vontade. Até já.
- Até já, e obrigada.
Saiu.
Abri a carta, depois de inalar o odor daquele estupendo e simples ramo, e comecei a ler.



    Querida Ilnarah,

    Nunca me vi como grande florista, mas foi com grande prazer e vontade que lhe colhi estas flores. Tive esperança que, de alguma forma, a ajudassem a atravessar essas quatro paredes.
    Espero que se sinta  melhor e que recupere o mais depressa possível. Saberá que tem de ser paciente. Por isso talvez seja melhor nem pensar no tempo. Talvez assim ele lhe pareça mais apressado. Afinal, é quando mais o apreciamos que ele se esconde, não é verdade? Pelo menos, assim parece.
    Devo-lhe um enorme pedido de desculpas. E espero que o aceite. Temo que seria uma culpa maior se nenhum de nós o fizesse.
   E assim me despeço, com a culpa a pesar-me por a ter privado da liberdade do exterior que tanto aprecia.
    Desejo-lhe, uma vez mais, as melhoras e... veja se se despacha a vir cá para fora! A floresta tem saudades suas. Oh! E também lhe deseja as melhoras.

Colin


Quando guardei a carta ainda estava a sorrir. Mas parecia nem reparar nisso.
Acariciei Ionadh, que estava deitado ao meu lado.
Fugiu-me um pequeno risinho inocente, ao recordar o quão brutos fôramos quando nos conhecemos.
- Sabes Ionadh, não sei porquê mas... Gostava que ele estivesse aqui.
E bateram à porta.
- Sim?
Detrás dela surgiu...
- Colin? - Disse estupefacta. - O... Que faz aqui?
Ele encarou o ar acima da cabeça, com um ar confuso  de sobrolho franzido. A mão apontou para o ar mas rapidamente se dirigiu para o queixo, com um dedo a tocar na boca.
- Mas... - Olhou em volta, com ar meio perdido e como que à procura de alguma coisa - ia jurar que... - Abriu a porta e olhou para o corredor. Sem nada ver, voltou a fecha-la. A esta altura já me arrancara um sorriso divertido. - Não percebo. - E adoptou uma pose pensativa, com o queixo apoiado numa mão. - Ia mesmo jurar que me tinham chamado.
Ri-me.
Ele arregalou os olhos na minha direcção e aproximou-se. Sentou-se na beira da cama e ficou a olhar.
- Mas... Está a rir de quê?
- Não sabia que tinha jeito para o teatro.
- P... Perdão? Não creio estar a compreender. Está a dizer que eu, Dr. Bigodes, não sou real?
- Doutor quê? - Ri-me. - E onde está ele então?
Depois de uma expressão de incompreensão levou os dedos ao bigode e, não o sentindo, procurou-o em pânico.
- Devo... Devo... Talvez as flores mo tenham roubado quando as cheirei. Malditas sejam! Permite-me?
- Com certeza - e entreguei-lhe o ramo.
- Com licença. - Pegou nele, e com uma extraordinária habilidade tirou do meio das flores um bigode ridiculamente grande e cheio de curvas. Colocou-o no sitio e voltei a pousar o ramo na jarra. - Já acredita em mim? - Questionou com uma sobrancelha arrebitada.
E mais uma vez ri-me.
- Desculpe, mas foi um jovem chamado Colin que as colheu para mim.
- ... Está a chamar-me velho?
- Beeeeem... já que pergunta...
- Ah! Que ultraaaaje! - Afirmou com gestos e voz ridículos e teatrais. - Pois fique sabendo, menina, que fui eu que as colhi para esse tal... Colin. Esse coitado não distingue uma flor de uma batata - gesticulava enquanto falava. - E não se ria. Está doida?
- Não conhecia essa sua faceta tão divertida. Mas se me deixar falar com Colin eu paro de rir.
Olhou-me, absolutamente indignado, e arrancou o bigode de forma dramática.
- Está, portanto, a dizer-me que sou uma seca, que só a aborrece e incapaz de a fazer rir?
- Hum... Eu não queria ser tão directa...
Olhamos um para o outro, tentando parecer sérios, mas o disfarce caiu.
- Muito obrigada pela personagem. E pelas flores. São lindas. Oh! E pela carta, claro.
- Não tem de agradecer Ilnarah. - Agora já soava como Colin. - Era o mínimo que podia fazer depois de a ter deixado nesse estado.
- Não o culpo por nada do que aconteceu. Mas se o deixa mais descansado... Está perdoado - acrescentei com um sorriso.
Ele sorriu.
Pegou-me na mão e deu-lhe um beijo.
- Agradeço. E agora devo retirar-me.
- Já? - Perguntei um pouco desiludida.
- Lamento, mas tenho assuntos a tratar e uma... pequena viagem a fazer.
- Boa viagem então e... ... - E arrependi-me, tarde de mais, do que estava prestes a dizer.
- E? - Insistiu.
Bem... não tinha nada a perder.
- E não se esqueça de me dizer quando regressar.
Pareceu sorrir radiante.
- É claro que não.
E com outro beijo na mão despediu-se e saiu.

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