12

Nos sonhos o tempo corre de forma diferente, a realidade que nos cerca é estranha e parece não passar de uma simples ilusão, mas a verdade é outra…

- Estará morta? – Pergunta uma voz ao longe.
- Não me parece.
As vozes parecem estar mais próximas.
- Será que está bem?
- Claro que está! Ela caiu pela ribanceira abaixo! – Responde uma voz mais sarcástica.
- Olhem, olhem!! Está a acordar! – Exclama uma voz mais jovem.
À medida que abro os olhos, começo a distinguir quatro raparigas de pele morena, cabelos ruivos e olhos claros como o céu de verão.
- Parece que voltou do mundo dos mortos! – Diz uma jovem que aparentava ter 15 anos, debruçada sobre mim com um grande sorriso.
A mais velha do grupo afasta-a de mim e diz:
- O que ela quer dizer é: Bem-vinda ao nosso acampamento.
- Acampamento?… Mas eu estava na floresta… não devia morar aqui ninguém…
- Nós não vamos ficar aqui muito tempo, só parámos o tempo suficiente para descansar, assim que pudermos vamos embora. – Diz outra jovem.
- Somos nómadas, esta é a nossa vida. – Completa a mais nova do grupo com um sorriso inocente.
Mesmo com as explicações delas eu continuava confusa.
- Como é que eu vim aqui parar?
Uma das raparigas corou e aproximou-se de mim.
- Por acaso… f-foi por minha culpa que caíste da ribanceira…
- Eras tu que andavas atrás de mim?!
- S-sim. Desculpa, eu não queria que aquilo acontecesse… eu só queria saber mais sobre os humanos e tu… deixaste-me intrigada…
- O que queres dizer com “saber mais sobre os humanos”? – Eu olhava para elas, cada vez mais confusa com a situação – Quem são vocês?
A mais velha aproximou-se de mim, a sua expressão estava mais séria e os seus olhos pareciam ter perdido o brilho que tinham. Naquele momento, pude perceber a enorme dor que preenchia os seus olhos…

11

Caminhei lentamente, prezando aquele momento de puro prazer. O facto de ter sido forçada a ficar em casa deixou-me desesperada! Tão desesperada quanto os pobres animais que vivem em pequenas gaiolas.
A liberdade é algo que não pode ser excluído das nossas vidas. Todos devem ter esse direito. Fomos criados para assim ser: livres! Não devemos estar fechados entre muros, paredes ou grades...
Poucos da minha família entendem a minha maneira de ser. Sou uma jovem que adora a Natureza! Pertenço-lhe e, sem ela, nada sou... Eu tentaria explicar aquilo que sinto mas, por alguma razão que se encontra fora do meu alcance de percepção, não o consigo fazer. Apenas os que veneram a Natureza conseguem perceber a nossa relação.
Ionadh, por enquanto, é o único que me compreende.
Sorri-lhe e ele agitou freneticamente a cauda, avaliando-me com os seus brilhantes olhos.
- Sabes em que estou a pensar, certo? - Questionei.
Ionadh soltou um sonoro latido como resposta.
Todos dizem que ele "é só um animal". Que monte de tretas! Para mim é muito mais do que isso... Tornou-se meu amigo, meu confidente. Para ser considerado humano só lhe falta falar a nossa língua. Além disso, consegue ser muito mais inteligente do que muitos dos humanos que aqui vivem!
Continuamos a andar durante cerca de hora e meia.
Inesperadamente, aquela estranha intuição, de que algo de errado iria advir, reapareceu.
Ionadh ficou atento, farejando o solo de vez em quando, com as suas orelhitas erguidas. Olhei em volta, nervosa.
- Também sentes que algo está diferente. - Comentei.
Lançou-me um rápido olhar e continuou a farejar, confirmando as minhas suspeitas.
- Vá, vamos por outro lado. Hoje não estou muito tentada a ir por aí.
Sendo assim, voltamos para trás.
Os meus olhos fixaram-se num estreito caminho à direita.
Avaliei-o.
Tinha o solo repleto de folhas, como se usufruísse de um tapete macio e apelativo.
Estranho... Nunca o tinha visto, apesar das inúmeras vezes que por ali passei.
Naquele preciso momento, fiquei num inquietante dilema: explorar aquele caminho desconhecido ou ir até ao lago.
Como sempre, a minha curiosidade venceu.
- Bom, Ionadh, que poderá correr mal? Já não é a primeira vez que seguimos um caminho diferente e até agora nada de mal nos aconteceu. - Disse, olhando para ele. - Por isso, vamos lá, Ionadh. Temos um novo sítio para explorar.
Já caminhávamos há meia hora, deslumbrados com aquela nova e colorida paisagem, quando descobrimos uma bela clareira.
Ionadh saltitou alegremente e foi-se estender numa pedra que estava no meio de flores silvestres. Juntei-me a ele, deitando-me na erva verdejante, um pouco mais longe.
Durante vários minutos, fiquei a contemplar o claro azul do céu, enquanto que Ionadh dormitava. O chilrear de pequenas aves aperfeiçoavam a serenidade daquele singular local.
Tudo estava perfeito.
Pelo menos até um ameaçador silêncio atingir a floresta.
Ionadh rapidamente se colocou a meu lado, de forma protectora.
Pareceu-me ver uma sombra pelo canto do olho. Sentei-me e percorri toda a clareira com o olhar. Tudo parecia estar normal, excepto aquele silêncio constrangedor. Pouco tempo depois, uma nova sombra surgiu mas, desta vez, no lado oposto.
Ionadh começou a rosnar, examinando diversos lugares.
Instintivamente, comecei a correr, com ele no meu flanco. Várias sombras apareciam e desapareciam do nosso campo de visão.
Pesados passos revelavam que algo começou a perseguir-nos.
Corríamos sem parar e, mesmo assim, não desistia.
No momento em que passávamos junto a um desfiladeiro de cerca de sete metros, que terminava no rio, olhei de relance para trás.
Maldita a hora em que o fiz!
Escorreguei e rebolei velozmente por aquela ribanceira.
Antes de cair na água gelada, bati com a cabeça numa rocha, perdendo os sentidos.
E é a partir daí que não me lembro de mais nada...

10

Viajar?! Mas viajar para onde?! Perguntava-me a mim própria. Provavelmente, esta viajem é de negócios, pensava eu. 
Colin era o meu futuro marido e eu poucas coisas sabia dele, mas, mesmo neste panorama de mistério, eu gostava dele. 
Chegou o dia que eu tão ansiosamente aguardava. 
As flores que Colin me tinha oferecido tinham-me deixado com saudades de caminhar na floresta, então, decidi ir passear até lá na companhia de Ionadh. 
Embora Nia não tivesse gostado da ideia de eu ir passear, deixou-me ir, mas primeiro fez-me prometer que caminharia devagar e que se precisasse de ajuda que gritasse. 
Ao chegarmos à floresta, uma breve brisa embateu na minha face. Fechei os olhos e expirei fundo. Esta brisa trazia consigo o inigualável cheiro desta floresta. Abri os olhos. Ao ver a vida que existia nesta enorme floresta fez com que eu esboça-se um sorriso. 
Aqui havia criaturas maravilhosas. Não só animais comuns a outras florestas, mas também havia animais especiais, que apenas existiam aqui. 
Aqui havia fadas, duendes, anões, lobisomens, ou seja, criaturas que apenas existiam em livros. Embora algumas dessas criaturas fossem consideradas potencialmente perigosas, aqui elas não faziam mal algum. 
Estas criaturas apenas se mostravam a quem confiassem, e eu era uma dessas pessoas, talvez até a única. Elas só precisavam de um pouco de carinho e de atenção, e eu dava-lhes isso. 
Mas, neste dia, havia algo que não estava bem. Eu não sabia o que era, mas sabia-o com todas as certezas do mundo. 

9

No dia seguinte continuava na cama, sem me deixarem levantar sozinha para nada. Trataram-me como se fosse uma inválida...
É claro que me levantei na mesma! Às vezes, durante a noite, ia à casa de banho num só pé, mesmo que não fosse lá fazer nada.
Mas, infelizmente, nada mais do que isso.
Mas nesse dia parecia mais aborrecida do que nunca. Parecia que à medida que se aproximava o último dia de repouso total, mais o tempo demorava a passar. O Sol parecia não sair do mesmo sítio na janela.
Bateram à porta.
- Entre - respondi numa voz entediada e sem qualquer emoção.
Nia espreitou.
- Posso?
- Entra.
- De certeza que não me vais atirar nenhuma jarra à cabeça?
- Está descansada, já acabaram.
- Bem, então fico contente que não tivéssemos deixado aqui nenhuma. Pelo menos... Até agora - e entrou com uma jarra com água e um ramo de flores silvestres na outra mão.
Os meus olhos pareciam querer saltar até elas, inquietos por se aproximarem tão devagar.
Eram-lhes familiares. Pareciam do bosque onde costumo passear. E cheiravam como elas.
- Uau! São para mim?
- Não. São para o cão. Claro que são para ti, tontinha. Ah! E vêm com uma carta.
Entregou-mas, juntamente com a carta, e pousou a jarra na mesinha de cabeceira.
- Agora vou deixar-te a sós e à vontade. Até já.
- Até já, e obrigada.
Saiu.
Abri a carta, depois de inalar o odor daquele estupendo e simples ramo, e comecei a ler.



    Querida Ilnarah,

    Nunca me vi como grande florista, mas foi com grande prazer e vontade que lhe colhi estas flores. Tive esperança que, de alguma forma, a ajudassem a atravessar essas quatro paredes.
    Espero que se sinta  melhor e que recupere o mais depressa possível. Saberá que tem de ser paciente. Por isso talvez seja melhor nem pensar no tempo. Talvez assim ele lhe pareça mais apressado. Afinal, é quando mais o apreciamos que ele se esconde, não é verdade? Pelo menos, assim parece.
    Devo-lhe um enorme pedido de desculpas. E espero que o aceite. Temo que seria uma culpa maior se nenhum de nós o fizesse.
   E assim me despeço, com a culpa a pesar-me por a ter privado da liberdade do exterior que tanto aprecia.
    Desejo-lhe, uma vez mais, as melhoras e... veja se se despacha a vir cá para fora! A floresta tem saudades suas. Oh! E também lhe deseja as melhoras.

Colin


Quando guardei a carta ainda estava a sorrir. Mas parecia nem reparar nisso.
Acariciei Ionadh, que estava deitado ao meu lado.
Fugiu-me um pequeno risinho inocente, ao recordar o quão brutos fôramos quando nos conhecemos.
- Sabes Ionadh, não sei porquê mas... Gostava que ele estivesse aqui.
E bateram à porta.
- Sim?
Detrás dela surgiu...
- Colin? - Disse estupefacta. - O... Que faz aqui?
Ele encarou o ar acima da cabeça, com um ar confuso  de sobrolho franzido. A mão apontou para o ar mas rapidamente se dirigiu para o queixo, com um dedo a tocar na boca.
- Mas... - Olhou em volta, com ar meio perdido e como que à procura de alguma coisa - ia jurar que... - Abriu a porta e olhou para o corredor. Sem nada ver, voltou a fecha-la. A esta altura já me arrancara um sorriso divertido. - Não percebo. - E adoptou uma pose pensativa, com o queixo apoiado numa mão. - Ia mesmo jurar que me tinham chamado.
Ri-me.
Ele arregalou os olhos na minha direcção e aproximou-se. Sentou-se na beira da cama e ficou a olhar.
- Mas... Está a rir de quê?
- Não sabia que tinha jeito para o teatro.
- P... Perdão? Não creio estar a compreender. Está a dizer que eu, Dr. Bigodes, não sou real?
- Doutor quê? - Ri-me. - E onde está ele então?
Depois de uma expressão de incompreensão levou os dedos ao bigode e, não o sentindo, procurou-o em pânico.
- Devo... Devo... Talvez as flores mo tenham roubado quando as cheirei. Malditas sejam! Permite-me?
- Com certeza - e entreguei-lhe o ramo.
- Com licença. - Pegou nele, e com uma extraordinária habilidade tirou do meio das flores um bigode ridiculamente grande e cheio de curvas. Colocou-o no sitio e voltei a pousar o ramo na jarra. - Já acredita em mim? - Questionou com uma sobrancelha arrebitada.
E mais uma vez ri-me.
- Desculpe, mas foi um jovem chamado Colin que as colheu para mim.
- ... Está a chamar-me velho?
- Beeeeem... já que pergunta...
- Ah! Que ultraaaaje! - Afirmou com gestos e voz ridículos e teatrais. - Pois fique sabendo, menina, que fui eu que as colhi para esse tal... Colin. Esse coitado não distingue uma flor de uma batata - gesticulava enquanto falava. - E não se ria. Está doida?
- Não conhecia essa sua faceta tão divertida. Mas se me deixar falar com Colin eu paro de rir.
Olhou-me, absolutamente indignado, e arrancou o bigode de forma dramática.
- Está, portanto, a dizer-me que sou uma seca, que só a aborrece e incapaz de a fazer rir?
- Hum... Eu não queria ser tão directa...
Olhamos um para o outro, tentando parecer sérios, mas o disfarce caiu.
- Muito obrigada pela personagem. E pelas flores. São lindas. Oh! E pela carta, claro.
- Não tem de agradecer Ilnarah. - Agora já soava como Colin. - Era o mínimo que podia fazer depois de a ter deixado nesse estado.
- Não o culpo por nada do que aconteceu. Mas se o deixa mais descansado... Está perdoado - acrescentei com um sorriso.
Ele sorriu.
Pegou-me na mão e deu-lhe um beijo.
- Agradeço. E agora devo retirar-me.
- Já? - Perguntei um pouco desiludida.
- Lamento, mas tenho assuntos a tratar e uma... pequena viagem a fazer.
- Boa viagem então e... ... - E arrependi-me, tarde de mais, do que estava prestes a dizer.
- E? - Insistiu.
Bem... não tinha nada a perder.
- E não se esqueça de me dizer quando regressar.
Pareceu sorrir radiante.
- É claro que não.
E com outro beijo na mão despediu-se e saiu.

8

Dois dias depois daquele encontro (que acabou em desastre para mim), eu continuava de cama por causa do meu tornozelo. Não podia sair de casa... nem que fosse para passear no jardim! Tanta coisa por nada mas, segundo o médico, "a menina Ilnarah tem que ficar em repouso absoluto durante três dias". Como se subir às árvores me fizesse mal... o pé nem sequer está partido!

A melhor parte do meu dia era quando Ionadh me vinha visitar depois do almoço, começava a lamber-me e ficava sempre ao meu lado (mesmo quando eu só me queixava).
- Quero ir lá para fora!
- Depois de amanhã podes ir para onde quiseres mas hoje ficas em casa. - Leanne acaba de entrar no meu quarto com um tabuleiro de comida na mão.
- L-Leanne? - Ela sorriu para mim. - O que é que fazes aqui?
Ela estava ainda mais bonita do que antes. Os cabelos cor de ouro iguais aos da nossa mãe e os olhos verdes que pareciam reflectir toda a sua essência. De todas nós era aquela que mais se parecia com a nossa mãe... e em comparação com a Sheeb era aquela que menos nos visitava.
- Ouvi dizer que te ias casas e resolvi vir conhecer o meu futuro cunhado. Ao que parece, todos se esqueceram de me convidar.
- Claro que não! Mas se é para o meu funeral mais vale nem assistires.
Ela riu.
- Continuas a mesma de sempre Ilnarah. Será que não aceitas um único homem?
- Não posso... o pai já o aceitou por mim. Mas eu... eu até acho que o Colin é simpático. - Esboço um sorriso quando penso nele até reparar na expressão séria da minha irmã.
- Eu vou procurar a Nia... ainda não falei com ela desde que cheguei. Vê se descansas.
- Não faço outra coisa desde que caí! - Grito antes da Leanne fechar a porta.

7

Tentei acalmar Ionadh mas ele continuava a ladrar mostrando a Colin o lugar onde eu me encontrava. Tentei levantar-me de novo mas sem sucesso. Tinha uma dor no tornozelo que aumentava se fizesse esforços. A verdade é que ser encontrada por Colin naquele estado não me agradava nada.
Passados alguns momentos, Colin encontrou-me. Quando me viu a sua expressão mudou radicalmente. Naquele momento a face dele mostrava arrependimento e culpa. Ao chegar à minha beira disse:
-Ilnarah peço imensa desculpa. Não queria de nenhuma forma pertubá-la desta maneira.
- Colin, está tudo bem - respondi eu. - Também peço desculpa pelo que eu disse mas o que é certo é que eu não quero casar. Não que eu tenha nada contra si mas sim porque não acredito num casamento sem amor.
Colin estendeu-me a mão para me ajudar a pôr a pé. Quando me levantei ele pôs o seu braço à volta da minha cintura para me auxiliar a caminhar e disse:
- Como eu a percebo!
A sua cara agora mostrava um sofrimento enorme mas eu não quis pertubá-lo com perguntas. Continuamos a andar até que ele parou e disse:
- Bem já que vamos casar quer queiramos quer não queiramos, acho que é melhor começarmos de novo.
Não me contive e esbocei um sorriso. Aquele homem, de repente, tinha-se transformado!
 Tornou-se...gentil. Neste momento, Colin tinha um sorriso nos lábios que me deixava com confiança.
- Realmente começamos mal - respondi eu também com um sorriso.
Ficamos a olhar um para o outro até que Ionadh ladrou. Este estava com a língua de fora à espera de alguma atenção. Colin fez um mimo na cabeça de Ionadh e este lambeu-lhe a mão, o que nos fez rir desalmadamente aos dois.
Será que é o início de uma linda amizade?!

6

Caminhamos em silêncio durante algum tempo. Começava a ficar incomodada com a situação.
- Então... Não aprecia um agradável diálogo ou é daqueles indivíduos que não se sentem à vontade com uma presença feminina? – Interroguei, tentando quebrar o gelo.
Encarou-me de um modo tão frio que me deixou totalmente arrepiada.
- Perdão! Não pretendia ofendê-lo... – Tentei justificar-me.
- Apreenda algo, menina Ilnarah! Aceitei desposá-la pois o meu pai julga ser o melhor. Eu não planeava casar-me tão repentinamente, muito menos consigo! Por isso, não tente impressionar ou ser agradável. Nada disso me importa! Fui claro? – Vociferou, apontando-me o dedo indicador como se isso intensificasse o seu mau humor.
Fiquei estupefacta com a sua reação. Um novo sentimento avassalou-me, a raiva.
- Diga-me “algo”, menino Colin. Pensa que EU ambiciono unir-me com alguém que não conheço? Pensa que almejo usufruir de um matrimónio onde não subsista amor? NÃO! Mas estou a tentar concretizar um desejo do meu pai. – Afirmei calmamente mas com uma voz severa.
A frieza do seu olhar deu lugar a surpresa. Ficou perplexo com a minha refutação. Aliás, até eu. Nunca detive tal conduta. Sou conhecida como uma jovem amável, paciente, prestativa e benevolente.
Envergonhada por ter deixado escapar a minha frustração e contrariedade, corri. Corri tanto que até estava a ficar sem fôlego. Só quando tropecei numa raiz saliente e caí é que estagnei.
Tentei levantar-me mas acabei por cair novamente.
- E eu a pensar que o meu dia não poderia piorar! – Resmoneei entre dentes, esforçando-me para não deixar escapulir-se um grito de dor que ameaçava libertar-se.
- Ilnarah! – Chamava Colin.
Ionadh correu até mim e presenteou-me com uma molhada lambidela no rosto. Após avaliar o meu estado ladrou como se estivesse a chamar por alguém, a solicitar auxílio.

5

Adoro animais!
Aliás, adoro a Natureza e a sua esplêndida e brilhante imaginação. Fascina-me! Não só pela imensidão de sensações capaz de nos transmitir, como também pelos companheiros que podemos encontrar.
O cão é sem dúvida dos meus animais preferidos. É incrível como conseguem ser-nos mais fiéis do que nós mesmos! ... Escusado será falar dos outros...
Raramente acredito no acaso, se é que alguma vez acontece, e por isso desde o dia em que encontrei o Ionadh, o cachorro, que estou convencida de que não foi por acaso.
E não foi, de facto.
Ionadh foi como ... ... ... uma mudança na minha vida.
Algo que nem a minha mais profunda criança interior com a sua inimaginável imaginação poderia algum dia imaginar.

Quando encontrei o cachorro à entrada do bosque não me queria afeiçoar a ele mas... Pergunto, será isso possível?

De início tentei fazê-lo, e tentei encontrar o dono.
Fiz um desenho dele (outra das minhas paixões, o desenho) numa folha e percorri o maior número de famílias que consegui. Mas ninguém parecia alguma vez tê-lo visto. Facto um pouco estranho, a meu ver, dado que normalmente na comunidade se sabe tudo... Às vezes até demais.
Ninguém o conhecia nem ninguém o procurou. Por isso, passadas duas semanas, dei-lhe um nome.
Já estava comigo há um mês e meio. E rapidamente se tornou um verdadeiro amigo e companheiro.
Até presenciou um dos mais esperados (de certo não por mim!) momentos dos últimos tempos: o dia em que eu e o meu suposto futuro ... ahm ... marido ... íamos ser apresentados.
Pfff... Fácil de imaginar o meu entusiasmo!
Mas não me sentia tão mal nem tão sozinha e incompreendida agora que tinha Ionadh do meu lado.
Numa manhã quente e solarenga de fim de Primavera, eu e a minha família esperávamos pelos convidados.
A casa estava arrumada e limpa ainda de fresco. A mesa da sala de jantar posta com dois lugares a mais e todos vestiam roupas mais formais do que num dia normal. Eu inclusive, obviamente contrariada. Não conseguia partilhar do entusiasmo de nenhum deles, e para meu grado Ionadh partilhava da mesma opinião que eu, arrancando-me finalmente um sorriso.
Também ele tinha sido sujeito a um banho perfumado e estava trancado dentro de casa para não se sujar ... ou à casa, suponho.
Deitado no chão ao lado dos meus pés, levantou subitamente a cabeça e começou a correr e a ladrar em direcção à entrada. Subiu a um banco e espreitou pela janela.
Sempre curioso!
Percebemos que deviam estar a chegar, e também nós começamos a ouvir o som da carruagem e o trotar dos cavalos sobre o chão de pedra.
O meu pai levantou-se, muito entusiasmado e com um enorme sorriso a brilhar-lhe no rosto, e ajeitou as roupas.
Eu contentei-me em revirar os olhos.
- Robert - chamou o meu pai.
O mordomo fez-lhe sinal com a mão, dando a entender que não precisava de dizer mais nada.
Aproximou-se da porta e segurou o puxador pacientemente à espera que os convidados se aproximassem.
Abriu-a.
- Sejam bem vindos à casa Klein, família Seidel - cumprimentou Robert.
- Muito bom dia - respondeu um senhor não muito alto, com uma barriguinha arredondada e com um sorriso simpático, que supus ser o pai do rapaz que o acompanhava.
- Façam o favor - e apontou para dentro.
- Muito obrigado - respondeu o senhor.
Entraram.
Robert recolheu-lhes os casacos e o chapéu do senhor baixinho e colocou-os no bengaleiro.
- Podes ir Robert - disse o meu pai à medida que se aproximava deles. - Eu trato dos nossos convidados. Ramon Klein - cumprimentou sorridente com o braço esticado.
- Charles Seidel - apresentou-se o senhor correspondendo ao aperto de mão. - E este é o meu filho, Colin.
- Ah! Prazer em conhecer-te meu rapaz - e cumprimentou-o da mesma forma. E desta vez já podia olhar em frente. Ele e o rapaz eram quase da mesma altura.
Colin mostrou um pequeno sorriso, que não me convenceu.
- O prazer é meu - respondeu.
Ao contrário do pai, Colin era alto e muito elegante, de cabelo liso com alguns centímetros e escuro como carvão, olhos do mesmo tom e pele clara.
Apesar de tudo, não podia negar a sua beleza.
- Venham. Por aqui - e seguiram na nossa direcção. Senti-me subitamente nervosa e todas nos levantamos. Ionadh já estava outra vez ao meu lado, depois de ter cheirado os convidados. O meu pai apresentou as minhas irmãs e Nia primeiro, e eu por último. - E por fim, e o motivo da vossa presença, a minha filha Ilnarah.
Tentei forçar um sorriso.
Charles deu-me um beijo na mão, muito sorridente e com aquele bigode farfalhudo e acinzentado a fazer-me comichão, e a seguir foi a vez do filho. Mas ao contrário do pai ele estava muito sério a olhar para mim, o que fez desaparecer o meu sorriso novamente.
O que honestamente até foi um alívio. Devia estar ridícula, e já me doíam as bochechas!
O meu pai aproveitou o almoço para conhecer melhor a família Seidel, principalmente Colin.
Eu agradeci por ninguém se dirigir a mim e por não ter tido de falar com ninguém.
Mas no final do almoço fomos para o terraço e os nossos pais tiveram a brilhante ideia de nos sugerirem um passeio a sós pelos nossos terrenos. "Mas à nossa vista. Terão muito tempo para estarem a sós depois", riam eles. Nenhum de nós correspondeu ao entusiasmo.
Sem o conhecer, gostei dessa reacção da parte de Colin.
Começamos a andar em direcção aos jardins, com Ionadh a correr à nossa frente, obviamente feliz por se ver em liberdade e deixar o pelo castanho brilhante ligeiramente comprido esvoaçar ao vento.

4

Aproximei-me.
A minha respiração foi ficando cada vez mais ofegante. Senti medo mas ao mesmo tempo tinha uma enorme curiosidade em saber o que provocava aquele estranho barulho.
E foi assim que o vi. Era pequeno, frágil e estava ferido.
Continuei a aproximar-me com cautela e quando cheguei à sua beira, ele olhou para mim com cara de sofrimento. Era...um pequeno cachorro.
Peguei nele carinhosamente e levei-o para casa. Tratei-o. Toda a minha família se encantou com o pequeno cachorro e por momentos consegui esquecer o meu casamento arranjado.
Embora estivesse ferido, o cachorro estava muito bem tratado logo significava que tinha um dono. Não me podia afeiçoar a ele, pois sabia que quando encontrasse o dono teria de o devolver.
Neste momento só conseguia pensar no pequeno ser que eu tinha socorrido e a pergunta que eu fazia a mim própria era "De quem será este cachorro?"...

3

Sem eu me aperceber tinha caído a noite em todo o reino e era certo que já tinham dado pela minha falta. Já conseguia imaginar o que diria Nia assim que eu chegasse a casa.
Mas isso não me interessa… a única coisa que me preocupa agora é o casamento arranjado. Sempre que pensava no meu casamento, em criança, imaginava uma cerimónia simples nos jardins da mansão onde vivo com as pessoas mais importantes da minha vida e… com um homem que eu amasse e que me correspondesse esse amor. Mas agora as coisas mudaram, já não sou a mesma criança que sonhava com o final feliz dos contos de fadas, mas antes uma jovem comprometida com um estranho.
Lentamente, e contrariada, ponho-me a caminho de casa. A escuridão ocultava agora parte das coisas belas que eu observava nos meus passeios matinais.
Estou prestes a passar os portões quando me detenho. Um arrepio gelado percorre o meu corpo, quando oiço um som vindo do bosque… uma voz talvez… Alterno o meu olhar entre a mansão e o bosque. Não devia afastar-me, mas sinto que algo ou alguém me chama no meio daquela escuridão. Afasto-me novamente em direcção ao bosque. Aquela voz melodiosa parece cantar para mim… porque me soa tão familiar?
Uma luz surge atrás de mim, despertando-me dos meus pensamentos.

2

- Não! - Disse Nia severamente. - Não podemos adiar mais.
- Não me vou casar com um estranho. Não quero - insisti.
- Ilnarah, já tivemos esta conversa. É a única solução e tu sabe-lo.
- Sei que é apenas um palpite de possível e horrivel solução. Quer dizer, como é que um casamento entre mim e um tal filho qualquer de um outro conde qualquer de uma qualquer outra terra nos vai ajudar? - Questionei, mais em forma de protesto e revolta do que propriamente dúvida. - Quer dizer, como é que isso vai salvar alguém? Quanto mais o mundo.
- As coisas mudaram Ilnarah - disse Nia, segurando-me no rosto e fazendo-me parar de andar de um lado para o outro. A sua voz aproximava-se cada vez mais do sussurro, como se receasse que o simples facto de mencionar o mal o trouxesse mais depressa até nós. - O horizonte escureceu. O mal aproxima-se e sozinhos não temos hipótese de sobreviver. Precisamos de unir esforços, de toda a ajuda possível.
Suspirei.
Encarei o chão.
Sentia-me cada vez mais encurralada. Percebia o que Nia queria dizer, e ao mesmo tempo não percebia. Não percebia como é que todos se limitavam a esse tipo de soluções tão... primitivas.
- Não queria que fosse assim - continuou, obrigando-me a encara-la.
- Não estamos sozinhos. Leanne e Sheeb já são casadas - "e por sorte com pessoas que amam", pensei para mim, desejando tal sorte. - Não estamos sozinhos. Já temos dois reinos para nos ajudarem. E certamente que também eles terão mais aliados, que os vão ajudar. E visto que eles nos ajudam estamos protegidos. Que diferença é que faz mais um?
- Pode fazer toda a diferença.
- "Pode" ... - Repeti.
Nia olhou-me nos olhos. Beijou-me na testa e saiu, deixando-me sozinha no quarto.
Percebi que não havia nada a fazer. Pelo menos nada que eu estivesse a ver no momento.
Olhei pela janela com vista para o bosque e saí do quarto. Saí de casa. Saí pelos portões que nos cercavam e corri. Corri para o bosque.
Corri até os meus músculos não poderem mais. Mas mesmo assim eu corri. E continuei a correr.
Parei.
Fechei os olhos por um momento e tentei controlar a respiração. Ofegante, olhei à volta do meu campo de visão. Podia ver e ouvir os pássaros e as árvores. Lá ao longe estava um pequeno grupo de veados a passar naturalmente. Aqui e ali um esquilo. E lá ao perto, o rio a correr.
Dei meia volta, sem tirar os olhos do horizonte. Tornava-se cada vez mais escuro até que, atrás de mim, era negro.

1

Era um dia normal, numa manhã normal. Tudo parecia perfeito! Na verdade, até ao momento, tudo estava óptimo!
Contudo, para se perceber do que falo, tenho que explicar o que sucedeu anteriormente.


O meu nome é Ilnarah, uma jovem adolescente que vive em FourWinds, um reino muito longe de tudo o que é conhecido. Sou de uma nobre família, muito influente neste reino. O meu pai, conde Ramon criou-me sozinho, assim como às minhas três irmãs, Leanne, Sheeb e Willie. A nossa mãe, Althea, faleceu dois anos após a minha irmã mais nova nascer, a pequena Willie. Apesar de todos os contratempos vividos, somos uma família e, sobretudo, somos felizes. Temos algumas pessoas que nos ajudam com a casa, principalmente, quando o nosso pai decide percorrer o país para dar ajuda a quem necessita. Nia é como se fosse uma mãe para nós e, o facto de ter a idade que a nossa mãe teria se estivesse entre nós, faz-nos ser mais chegadas.
E aqui está uma pequena descrição dos nossos entes mais queridos.
Agora, falemos de algo mais sério . . .

Mensagens mais recentes Página inicial